CRÔNICA DE UMA MESTRE!

Anna Karolina Miranda - Professora de Língua Portuguesa
Anna Karolina Miranda - Professora de Língua Portuguesa

É engraçado ser professora de LP em tempos de eleições em que há três presidenciáveis do sexo feminino, principalmente quando uma delas já é presidENTA.

Ontem eu estava numa das minhas turmas dando aula quando um de meus alunos, confesso que o mais questionador de todos (rs), me perguntou: "Anna, me diz uma coisa, é certo chamar a Dilma de presidenta? Mas se fosse assim, não existiria 'estudanta' ou 'gerenta'?". Parei um pouco e pensei numa resposta sensata e didática a dar àquela criatura de 12 anos que, como muitos por aí, mais velhos que ele e, portanto, sem o privilégio da inocência pueril, repetia como um pequeno papagaio os discursos equivocados de certos "argumentos de autoridade" da mídia que certamente desconhecem linguística histórica e, obviamente, desejam desmerecer a famigerada presidenta da República. Expliquei com muito carinho que, mais além de submetida à herança prefixal e sufixal histórica, as línguas estão submetidas ao uso da população. A herança latina foi um ponto de partida para a língua portuguesa, mas esta, como suas irmãs, têm sua própria identidade morfológica e sintática, que está submetida certamente às necessidades de uso da população. O feminino presidenta é tão correto em português como o feminino parenta, encontrado nos clássicos (Machado de Assis, por ex.), que são, inclusive, fonte para os gramáticos. Enfim, presidente e parente são palavras que aceitam ser tanto uniformes quanto biformes. Bom, como costumo desde o ano passado usar com meu pequenos os jargões da linguística funcional e histórica, concluí a parte da explicação gramatical dizendo que se uma forma entra em uso na língua oral e chega a aparecer na comunicação escrita, ela tende a ser considerada pelos gramáticos e deixa de ser vista como "erro". O fato é que, na verdade, então, não existe falar errado, é tudo uma questão de variação e mudança linguística.

Pois bem, mas não me dei por satisfeita. Não era a primeira vez que eu me metia numa situação como essa, pois em todo lugar e a todo momento, a primeira chacota que os anti Dilma ou anti PT usam para atacar a presidenta é essa: chamá-la de presidANTA. Então resolvi conversar com a turma também sobre isso. Falei que quem se apega ao detalhe do gênero da palavra que qualifica uma pessoa certamente está mais preocupada em associar o sexo dela a sua capacidade de ser tal coisa, no caso, de liderar. Tentei explicar a eles que esse tipo de argumento dos "antis" é sexista e critica não só a capacidade política de Dilma, mas o fato dela ser mulher. Deixei claro que não sou PT, nem PSDB, nem PSB, pois aquilo não era uma discussão política, mas sou mulher e um real argumento de autoridade no que estou falando. Até dei um exemplo de uma vez - no facebook - quando um idiota qualquer, após perder todos os argumentos coxinhas em relação a esse mesmo assunto, o gênero da palavra presidente, me saiu com a seguinte pérola: "Então vai para a cozinha lavar louça, que é o seu lugar". O grandíssimo idiota mal sabe que somente reforçou minha tese de que aquele era um argumento puramente sexista, já que achou que o Jô Soares era argumento de autoridade e eu, mestre em linguística histórica pela maior universidade do país, não. Disse a eles que, apesar de parecer inocente, essa era uma ofensa muito grande, pois diminui as mulheres diante dos homens, não só uma pessoa diante da outra. Um homem que realmente pensa assim se acha melhor q a mulher, acha que as mulheres são inferiores. 

Terminada a aula, alunos aparentemente satisfeitos, pois adoram as polêmicas linguísticas e sociais da aula da Anna (hehe), fiquei uns minutos distraída arrumando meus materiais, então chegou perto de mim uma aluna esbaforida: "Anna, 'fulaninho' ficou bravo comigo porque eu falei q ele tava muito agitado, então ele me mandou ir pra cozinha lavar louça". Caros leitores, e não é que o tal fulaninho era o mesmo que me fez a pergunta no início da aula? Aff... Que decepção. Mais uma vez, reafirmei minha tese.

Texto: Anna Karolina Miranda - Mestre em linguística Histórica pela Universidade de São Paulo.